domingo, agosto 23, 2009

A ESCOLA E O PROFESSOR REFLEXIVOS

Ao falarmos sobre a importância de se refletir as ações educativas, convém relembrarmos a entrevista concedida à Denise Pellegrini da Revista Nova Escola (2002, on-line) na qual a educadora portuguesa, Isabel Alarcão, afirmou: “o questionamento deve ser à base do trabalho de todos os professores. Só assim seremos capazes de enfrentar situações novas e de tomar decisões apropriadas".

Os baixos salários justificam o fato de os docentes terem mais de um emprego. Em decorrência disso, sua carga horária semanal excede as quarenta horas que cabe na grade escolar. Por isso, eles não chegam a conhecer os colegas e nem se identificam com a instituição em que lecionam. Essa ‘maratona’ os aliena visto que não têm tempo para planejar suas aulas, para se manterem informados, atualizados e essas questões sócio-econômicas impedem que os professores questionem seu fazer pedagógico, almejem qualificação e ampliem sua visão de mundo.

É grande a dificuldade de reunir o corpo docente para pensar em conjunto e decidir questões. Tudo depende da grade horária. Nos intervalos, alguns se encontram por alguns minutos, que não são suficientes para uma discussão mais profunda. Acabaram-se as aulas, eles vão embora apressados para chegar a outras escolas. Por essas razões, ao se pensar em políticas públicas educativas não se pode negligenciar ou descartar essa realidade, ao contrário deve-se partir dela.

O professor reflexivo é aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta sua atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e diversos uns dos outros. Pode-se numa mesma escola e até numa mesma turma, utilizarem-se práticas diferentes de acordo com o grupo. O professor que não tem capacidade para analisar a práxis pedagógica é um autômato, alienado, um tecnocrata, um cumpridor de rotinas.

Nóvoa (2001, on-line) em entrevista à TVE Brasil citou John Dewey, pedagogo americano e sociólogo do princípio do século XX que dizia: “quando se afirma que o professor tem 10 anos de experiência, dá para dizer que ele tem 10 anos de experiência ou que ele tem um ano de experiência repetido 10 vezes”. Essa citação ratifica o dito anteriormente: em virtude da excessiva carga horária de trabalho o professor ministra a mesma aula, em contextos diferentes com público-alvo diferente. Mesmo assim, essa heterogeneidade de pessoas e espaços escolares é homogeneizada pelo quefazer diário do docente. Experiência, por si só, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina, ela, por si só, não é formadora. Formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa experiência.

O professor reflexivo deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou ler um conto. É preciso ir além, saber o que acontece com o estudante que não aprende a lição, por que ele não a aprende, por que está com ar de sono? Quais são as questões sociais que o enredam? E mais: os currículos estão bem feitos, ou deveriam ser diferentes? A escola está funcionando bem? Pelo visto, há vários níveis de questões e tudo tem de partir de um espírito de interrogação.

O professor sozinho, como ilha, não será capaz de tomar essa atitude e disseminá-la. Esse ‘clima’ de compartilhamento reflexivo de tudo deve estar presente na escola toda. Por analogia com o conceito de professor reflexivo Alarcão (2001, p.25) desenvolve o conceito de escola reflexiva:

organização (escolar) que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo.

Uma escola assim concebida pensa no presente para se projetar no futuro. Envolvendo no processo todos os seus membros, reconhece o valor da aprendizagem que para eles daí resulta. Aberta à comunidade exterior, dialoga com ela. Atenta à comunidade interior, envolve todos na construção do clima de escola, na definição e na realização do seu projeto, na avaliação da sua qualidade educativa.

Da visão sobre a própria escola deriva o seu projeto, que conta com o empenho de cada um, porque foi interativamente construído através do diálogo entre os seus membros, no entrelaçar de estratégias que vão do topo para a base e da base para o topo. Somente um pensamento estratégico permitirá manter a visão de conjunto e enquadrar, no projeto global da escola, os projetos e as atividades complementares. Esse pensamento estratégico não deve prescindir da dimensão ética, valorativa, humana, interpessoal.

Assim, os dirigentes das organizações educativas precisam verticalizar a relação com seus pares para que um clima de confiança, respeito e compromisso se faça sentir, tendo em vista a elaboração do projeto político-pedagógico que delineará onde se está e onde se quer chegar, com a definição dos níveis de execução, atribuição de responsabilidade aos agentes envolvidos, o delineamento da monitorização de todo o processo, inclusive a avaliação dos resultados obtidos. Tudo isso com a finalidade de se alcançar à educação de qualidade para todos.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Escola Reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

NÓVOA, Antonio. O professor pesquisador e reflexivo. 2001. Disponível em: < www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/antonio_novoa.htm - 26k> Acesso em: 2 jul. 2007.

PELLEGRINI, Denise. Refletir na prática. Ago.2002. Disponível em: < novaescola.abril.com.br/ed/154_ago02/html/fala_mestre.htm - 34k> Acesso em: 8 jun. 2007.


Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 20/09/2009.

domingo, agosto 16, 2009

SOMOS TODOS MITOMANÍACOS?

Apesar de nós, criaturas, termos sido criados à própria imagem e semelhança de Deus, nosso Criador, ainda estamos longe de desenvolver virtudes que nos aproximem Dele com maior celeridade.

Continuamente assistimos estupefatos o alastramento da mentira nos mais diversos cenários sociais sobretudo, no cenário político. Porém, ela se mostra disfarçada em frases do tipo “eu não sabia”. À tendência impulsiva para a mentira chamamos mitomania. Serão nossos representantes políticos mitomaníacos? E nós, amigo/a leitor/a, somos diferentes deles?

Você, tanto quanto eu, recebemos desde pequenos a orientação de nossos pais para que não mentíssemos pois “Papai do Céu não gosta de criança que mente”, “mentir é feio”, “mentira tem pernas curtas” e assim por diante. Entretanto, no seio familiar, há contradições entre o que se ensina e o que se vivencia, quer ver? “se for fulano diga que não estou”, “diz à professora que não fez a tarefa porque você estava doente”, “se seu pai perguntar quanto custou a roupa diga que foi baratinho!”, ou seja, não somos modelos ideais de honestidade para nossos próprios filhos. Quero dizer com isso que nenhum de nós é 100% honesto em dizermos sempre a verdade, nada mais que a verdade. Aliás, como seria o mundo se todos falassem a verdade? Difícil imaginar não é amigo/a leitor? Ao encontrarmos algum conhecido com má aparência, dizermos; na doença grave em alguém da família, dizermos; no chefe que não “vamos com a cara”, dizermos; no/a colega que nos causa ciúmes, dizermos; naquela festa de aniversário ou de casamento que tem muito convidado e decoração porém, pouca comida, dizermos; alguém que não conhecemos, que não “vamos com a cara” e...dizermos. Você há de convir que seria insuportável a convivência! Os americanos criaram uma expressão chamada “white lies” ou mentirinhas para dizer que elas são até saudáveis em determinadas situações a fim de evitar um conflito, um dissabor, enfim.

Assim como os Estados Unidos, Inglaterra e França temos também o dia da mentira. Aliás, ao pesquisar sobre ela você não encontrará na história de nosso povo informações precisas sobre sua origem aqui, no Brasil. Até na literatura clássica infantil existe o boneco de madeira, Pinóquio, que ao mentir seu nariz cresce. Há também música para ela “pega na mentira”. Já existe até detector de mentira, é a tecnologia a serviço do homem! Jonathan Swift, escritor irlandês que no século XVIII escreveu As viagens de Gulliver afirmou o seguinte: “quem conta uma mentira raramente nota o fardo que assume; pois para sustentar uma mentira ele tem que inventar outras vinte.”

Nossa falibilidade é tão declarada que somos obrigados a fazer juramentos no altar, na colação de grau, às vezes, até em julgamentos jura-se sobre a Bíblia. Fica a pergunta: tal formalização nos faz cumpridores dos deveres assumidos? Nem sempre!

Assim, somos humanos, somos imperfeitos, estamos (não somos!) mitomaníacos é bem verdade, mas também somos, cosmicamente, possuidores de centelha divina e essa herança deve nos impulsionar ao cultivo da verdade, da simplicidade, da humildade, da compaixão, empatia, altruísmo, benevolência, honestidade para conosco e para com o nosso semelhante afinal, estamos no mesmo espaço temporal e territorial, se nos despirmos que diferença temos uns dos outros? Quem somos, ou pensamos que somos, para julgarmos com severidade os outros e com parcimônia a nós mesmos?


Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 16/08/2009.

domingo, agosto 09, 2009

PLATÃO, MAQUIAVEL E A ARTE DE GOVERNAR

Discorrer essa questão exige as leituras de A República e de O Príncipe. Para Platão, poucos têm capacidade para governar apesar de muitos o desejarem. Dentre os pretendentes, ele eliminou os escravos, a maioria dos homens livres, os pertencentes aos setores intelectualizados e também um grupo bizarro que ronda o mundo da política (esses sempre existirão). Para ele, o Rei competente desenvolve a atividade política como um bom tecelão, ou seja, sabe misturar o tecido maior e melhor com o menor e o pior; em outras palavras, procura equilibrar os fortes e poderosos com os fracos e indefesos. O homem sábio, o filósofo, é o único habilitado para tal mister, afirmou Platão.

Platão não era defensor do regime político democrático por acreditar que as massas jamais conseguiriam, por serem incapazes, de se apropriarem da ciência da política. Não há dúvida de que o discurso de Platão surpreende à primeira leitura, porém, suas palavras parecem-nos incorporadas ao discurso de alguns parlamentares que conhecemos. Uma vez no poder, no entanto, tornam-se indiferentes ao aspecto moral, achando que podem exilar, executar, fazer o que lhes convier, seguindo o pensamento apontado por Maquiavel tempos depois, no Renascimento, de que os fins justificam os meios. A grande diferença do tempo de Platão para hoje é que se objetivava a justiça, harmonizar os opostos. Essa meta maior foi esquecida, enfraqueceu-se, esmaeceu-se.

Os atributos do Rei competente apresentados por Platão são: a estratégia (arte militar), a magistratura (arte de praticar a justiça) e a retórica (arte de discursar), que são interdependentes e compõem a ciência política que visa a unir a sociedade num só tecido perfeito. Quanto àqueles que são chamados de maus elementos, o filósofo sugere que sejam confiados aos educadores competentes para instruí-los ou, se houver fracasso, que sofram a sentença de morte.

Maquiavel apresenta muitas recomendações polêmicas e discutíveis porém, aqui enfatizaremos aquelas aplicáveis à Administração pública e a seus agentes.

O filósofo italiano defendia um regime republicano calcado em valores democráticos e populares e não uma república de caráter aristocrático. Ele afirmava que o regime republicano, de qualquer maneira, tinha maior chance de resistir à corrupção, porque vários homens exercem o poder, o que significaria a descentralização do poder e, consequentemente, uma variação constante e garantia de qualidade. Ah, meu caro Maquiavel, se você estivesse vivo hoje teria que rever sua tese, pois a corrupção tem brotado exatamente onde impera a reunião de homens, de parlamentares!

“[...] Os Estados bem organizados e os príncipes judiciosos têm que não aborrecer os poderosos e satisfazer o povo, mantendo-o satisfeito, porque, aqui está uma das mais importantes questões que se apresentam a um príncipe” [...] (p.86). A esta altura, convém considerar, conforme Maquiavel, que em todo Estado há basicamente dois interesses em conflito, o dos ricos e o dos pobres. É da oposição desses interesses que nascem quase todas as disputas políticas na cidade e cabe ao governante ficar atento a isso para que não ceda aos interesses dos grandes e oprima o povo. Quando isso ocorre, ou o governante fica refém desse pequeno grupo político ou perde o poder, pois não tem mais o apoio do povo. Dessa oposição obtêm-se como resultado a criação de leis ou instituições políticas para a defesa dos direitos, ou melhor, para a defesa da liberdade e do bem comum da cidade, representando um freio para a ambição demasiada dos grandes.

“O que mais contribui para que um príncipe seja estimado é a realização de grandes empreendimentos e a prática de atos edificantes” (p.97). É dever do Estado promover o bem estar social de todos, independente da classe social a que pertença, mas a classe média brasileira tem pago um preço altíssimo em impostos, o que contraria a fala de Maquiavel, quando afirma que “um príncipe deve ser comedido nos seus gastos para não ter que roubar seus súditos”(p.77). Um bom exemplo de contradição a esse discurso de Maquiavel seria a farra da compra das passagens aéreas, lembra-se amigo/a leitor/a? Pois bem, é por essas e outras que não vemos o que pagamos em impostos ser revertido em gastos com a saúde, educação, segurança, estradas, o lazer...

Àqueles que estão na base da pirâmide social deveria ser oferecido muito mais do que bolsa disso bolsa daquilo; falamos de oportunidade de conquistar dignidade e cidadania, através do fruto de seu trabalho, do desenvolvimento de suas habilidades e competências para não se criarem dependência, subserviência e obediência em ano eleitoral. Há que se ensinar a pescar, dar a vara e não o peixe, para não criar um círculo vicioso. Aos nossos filhos, querermos, essa educação – de independência! O Rei competente deveria fazer o mesmo. Onde estão e como são executados os atributos interdependentes acima mencionados?

Platão, discípulo dileto de Sócrates e o florentino Maquiavel do século XVI apresentaram contribuições ricas para quem ocupa cargos públicos e que estão políticos, digo estão e não são, mesmo lembrando dos que se perpetuam no poder, gerando vícios e acomodações.

A palavra República é de origem latina res publicae = coisa pública e chama a atenção para o bom uso, em favor da coletividade, daquilo que é público e como tal precisa ser zelado de forma honesta, responsável, ética e transparente, sem favorecimentos, clientelismos, fisiologismos enfim. Quando da investidura no cargo, os políticos estão a nos representar, a falar (parlar) e decidir por nós que os elegemos. Mesmo quando não escolhemos diretamente um representante, como é o caso do presidente do Senado ou da Câmara, Ministros, Secretários de Estado e de Municípios, Presidente de Assembléias Legislativas ou Câmara de Vereadores, indiretamente eles têm o nosso aval. Mas, há um peso enorme sobre os ombros de cada um dos parlamentares. Será amigo/a leitor/a que eles já se deram conta de que devem se empenhar para se manterem no poder através da própria capacidade de bem administrar, sem perderem o foco de seu trabalho, o interesse público, mas sempre respaldados pelos princípios básicos da Administração Pública, da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência?

No cenário político nacional, é com tristeza que vimos acompanhando os desmandos com a coisa pública e, se Maquiavel não tivesse sido lido às avessas, algumas lições preciosas teriam sido aprendidas com ele, como esta, por exemplo, “[...] de um príncipe devem emanar ações de grandeza, coragem, ponderação e energia, e no que tange aos interesses privados de seus súditos, [deve ele] tomar decisões irrevogáveis [...]” (p.85). Têm feito falta as decisões irrevogáveis na “Casa dos escândalos”, em Brasília; o parlar dos poucos senadores que não compactuam com o ilícito precisa ser materializada nas investigações e punições aos envolvidos.

Acredito que Foucault, através da sociedade disciplinar, tinha a receita para a minimização da prática de delitos. Essa sociedade disciplinar era caracterizada por um modelo próprio de organizar o espaço, controlar o tempo e obter um registro ininterrupto do indivíduo e de sua conduta. Do ponto de vista do exercício do poder, essa sociedade se caracterizaria por implantar o que Foucault chamava de “poder panóptico”, vigilância contínua, plena dos indivíduos. Assim, em vez de punir um indivíduo que praticasse qualquer ato ou infração, suas ações seriam previstas, antevistas pelo sistema. Essa prática nos lembra, caro/a leitor/a, o que acontece nas empresas privadas – auditoria em tempo real. Isso mesmo, é o que está faltando nos parlamentos brasileiros. Os TCU e TCE’s não parecem agir em tempo real!

Lembro-me do tempo em que era bancária e quando havia uma auditoria, analisava-se detalhadamente cada documento e quando encontravam falhas, ‘cabeças rolavam’, digo, demissões aconteciam. Nas empresas privadas tudo flui mais rapidamente: a descoberta de erros gera punições imediatas. Já na Administração pública, a tecla slow é a que é acionada; se erros forem encontrados, raramente ocorrerão punições, até porque há outras saídas como a renúncia, por exemplo, a servir de atalho para aqueles que delinquiram e querem a todo custo garantir seu futuro político. Os que estão na base da pirâmide social, no cabresto, materializam, através do voto o retorno desses que renascem das cinzas, verdadeiros fênix para se perpetuarem no poder. Fiat Lux! A educação é o caminho.

Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 09/08/2009.

domingo, agosto 02, 2009

A PRÁXIS PEDAGÓGICA NO MAGISTÉRIO JURÍDICO

Periodicamente, somos informados pela mídia da proliferação (digo, mercantilização) de Cursos de Direito em todo o Brasil. Há uma declarada pressão da OAB junto ao MEC-Sesu para que este seja mais rigoroso na aprovação de novos cursos em faculdades particulares, para que haja restrição na oferta de vagas e para que aquele Órgão faça um acompanhamento criterioso, intensivo e ostensivo, dos cursos já autorizados, pois a preocupação da OAB, com razão, é a qualidade do ensino que vem notória, paulatinamente e consideravelmente decaindo, fato que os Exames de Ordem têm atestado. Por outro lado, há pressão por parte de alguns parlamentares que elaboraram projeto de lei pedindo a abolição do Exame de Ordem. Eles alegam que não é de competência da instituição OAB atestar a qualidade dos cursos, através do Exame de Ordem, mas do próprio MEC-Sesu, por meio de instrumentos como o ENADE, por exemplo.

Enquanto essa contenda não se resolve, caro/a leitor/a, peço vênia para compartilhar minha experiência, enquanto acadêmica do curso de Direito, cujo propósito é o de compartilhar com os profissionais do ensino jurídico o que aprendi nos cursos latu e strictu sensu de Magistério do Ensino Superior e das Ciências da Educação e com a experiência de apenas 15 anos, lecionando no nível superior.

Principio pela análise do descaso pelos planos de ensino, ou se preferirem planos de disciplina, apresentados (e às vezes insistentemente cobrados) no início de cada semestre. Quase sempre, não há correlação entre o conteúdo que está elencado e o que é trabalhado, o que evidencia não ter havido replanejamento do mesmo para o novo semestre.

O plano de ensino está para aluno e professor, como a carta de navegação está para os navegantes. Sem estarem atualizados corre-se o risco de desnorteamento ou, até mesmo, naufrágio. É exatamente o que vimos sentindo, desnorteamento!

Em todos os planos de ensino analisados, pudemos perceber que tanto o conteúdo quanto a metodologia não são seguidos conforme apresentados. Exemplifiquemos: em quase cinco meses de aula (equivalente ao semestre) não acreditamos ser possível trabalhar, quando se objetiva a aprendizagem, dezesseis unidades (cada uma com a média de 9 itens) em apenas quatro horas/aulas semanais! Ou ainda trabalhar apenas uma unidade de um plano de ensino e fatiar as demais em “trabalhos”, que não são corrigidos, ou em “seminários”, dos quais não se recebe feedback algum, apesar do uso de dois horários por grupo, estendendo-se os mesmos até a integralização da carga horária. É preciso mencionar também aqueles planos nos quais não se consegue localizar, ou identificar, qual item ou unidade o professor está trabalhando, tamanha a desordem que se implantou. Porém, o assunto não se extingue com isso: após reiteradas cobranças, um cronograma de aulas foi entregue no lugar do plano de ensino, como se lhe fosse sinônimo!

Quanto à metodologia de ensino, alguns planos apresentam diversos procedimentos como estudos de caso, debates temáticos, críticas bibliográficas, vídeo-aula, uso de data show, pesquisas em grupo, produção de textos, debate/seminário orientado, leitura, interpretação e discussão de texto. Tudo só no papel, amigo/a leitor/a! O que predomina é a tradicional aula expositiva, aliás, aula ditada! Isso mesmo, é preciso fazer as anotações dos conteúdos que serão cobrados na prova. Que desperdicio de tempo e esforços num século em que tantas opções de aulas interessantes e significativas se oferecem!

Não se preparam apostilas, talvez porque dê muito trabalho. O único professor que faz uso delas, não socializa seu material, permitindo apenas que tenhamos acesso a alguns fragmentos de textos de apostilas extraídos da internet, após ele explicar todo o conteúdo, e alegando que esse procedimento se justifica, porque, dessa maneira poderemos prestar mais atenção às aulas; isso, parece inacreditável não é amigo/a leitor/a, se nos lembrarmos de um velho adágio que diz que “não se pode assobiar e chupar cana ao mesmo tempo”? Novas filosofias?

Existem ainda aqueles que adotam um único livro, mantendo-se fiel a ele de tal forma que, na avaliação, substituem-se palavras de determinadas frases retiradas das páginas desse livro, para se avaliar o quanto aprendemos. Tais provas, que exigem os tradicionais processos de memorização, não estimulam a elaboração intelectual dos discentes, mas sob a alegação de que não é professor de Língua Portuguesa para corrigir deslizes dos alunos, ele insiste com esse procedimento.

Há ainda aqueles que adotam livros que temos de adquirir, sem que sejam utilizados durante o curso. Se fossem livros de consulta constante, tudo bem; acadêmicos de Direito e advogados, como os de outras carreiras, têm de ter uma biblioteca condizente, mas não é o caso: o livro é adotado e supostamente deveria ser usado durante as aulas.

Há aqueles outros professores que não preparam as aulas, não pesquisam, não produzem conhecimentos; são meros repetidores de discurso prontos, fazem uso da improvisação docente, dão explicações evasivas e superficiais e, surpreendem o alunado ao exigirem na avaliação escrita temas não abordados em sala de aula. Se ainda fosse ordenado que se pesquisassem e se estudassem esses temas em casa para questionamentos na prova, tudo bem; mas não é o caso.

Não basta possuir um saber jurídico; é preciso saber ensinar. O fato de se ser promotor, juiz ou advogado não é pré-requisito para o exercício do magistério e, tão pouco, os investem da habilitação acadêmica para eficientemente exercer o magistério. Zagury (2006, p.71) afirma que o professor tem por função precípua ensinar. “E ensinar bem, dominando o conteúdo e usando adequadas técnicas de ensino e de avaliação”(grifo nosso). Daí, a importância de se ter certo conhecimento da Pedagogia, ciência da e para a educação e de Didática uma de suas áreas. Sendo o ensino uma ação historicamente situada, a Didática vai se constituindo como uma teoria que possibilita ampliar a compreensão das demandas que a atividade de ensinar produz, com base nos saberes acumulados sobre essa questão. Pimenta e Anastasiou (2002, p.67) afirmam que:

A Didática diz, pois, das finalidades do ensinar dos pontos de vista político- ideológicos (da relação entre conhecimento e poder, conhecimento e formação das sociedades) éticos (da relação entre conhecimento e formação humana, direitos, igualdade, felicidade, cidadania), psicopedagógicos (da relação entre conhecimentos e desenvolvimento das capacidades de pensar e sentir, dos hábitos, atitudes e valores) e os propriamente didáticos (organização dos sistemas de ensino, de formação, das escolas, da seleção de conteúdos de ensino, de currículos e organização dos percursos formativos, das aulas, dos modos de ensinar, da avaliação, da construção do conhecimento).

Não se pode ignorar o conhecimento produzido pela ciência da Pedagogia e por suas ramificações quando se opta por estar no magistério. Digo estar, porque a maioria tem na docência uma forma de complementar seu salário, o popular “bico”. As próprias Instituições de Ensino Superior (IES) não exigem do operador do Direito uma formação no campo de ensinar. Porém, as IES deveriam ser as responsáveis pelo constante aperfeiçoamento profissional de seus professores, através de pós-graduação em nível de especialização (360 horas-aulas), em cursos, por exemplo, como Docência de Ensino Superior e preparar os profissionais do Direito para o magistério.

Essa formação continuada, no entanto, não deve ser concebida como meio de acumulação de títulos e certificados, simplesmente. Deve ser um trabalho de reflexão crítica, conjunta, sobre a práxis docente e sua importante (re) construção permanente.

É preciso retroalimentar o processo ensino-aprendizagem através da reflexão da práxis docente. Freire (1996, p.39) afirma que “quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me”. O que se percebe nessas palavras é que quando se tem humildade e compromisso para rever a práxis docente, forçosamente deve existir propensão à mudança, a fazer diferente, à promoção de si mesmo e do outro e com ela, a transformação do outro e do mundo.

Gil (2005, p.36), conceitua plano de disciplina (ou de ensino) como sendo uma “previsão das atividades a serem desenvolvidas [...], que constitui um marco de referência para as ações do professor, voltadas para o alcance dos objetivos da disciplina [...], para identificar a relação com disciplinas afins e com o curso de forma global”. Ele ainda acrescenta sete princípios norteadores da elaboração de planos e é oportuno conhecê-los ou, talvez, revê-los. Segundo ele, um plano de ensino deve:

· adaptar-se às necessidades, capacidades e interesses do aluno;

· ser elaborado a partir de objetivos realistas, levando em consideração os meios disponíveis para alcançá-los;

· prever tempo suficiente para garantir a assimilação dos conteúdos pelos alunos;

· possibilitar a avaliação objetiva de sua eficácia.

Costumo dizer que cursar uma faculdade particular tem suas vantagens e desvantagens. A desvantagem principal é o alto custo que se paga; a seguir vêm a não reposição de aulas, o distanciamento da coordenação no acompanhamento da práxis docente, a não exigência de cumprimento do cronograma de atividades, juntamente com a reformulação (reelaboração) semestral dos planos de ensino; finalmente, o descaso pelas sugestões feitas pelos discentes para otimização do processo ensino-aprendizagem.

Quanto às vantagens, destaco como principal poder-se fazer planos para o futuro em virtude de se saber a data de conclusão do Curso, visto que as aulas não são interrompidas por greves; outra vantagem é o conforto material: a climatização das salas, uma biblioteca satisfatória e o estacionamento.

Propositalmente, transcrevo o que está na LDB 9394/96, em seu Art. 43:

Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; (grifo nosso)

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; (grifo nosso)

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; (grifo nosso)

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; (grifo nosso)

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; (grifo nosso)

VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. (grifo nosso)

Seria possível atingirmos essas metas elencadas na LDB, e por mim destacadas, dentro do modelo de ensino que vimos recebendo? Obviamente que não, concorda comigo caro/a leitor/a? Inexistem a pesquisa e a extensão no Curso de Direito, a menos que esteja previsto lá pelo seu final (e nada nos foi comunicado nesse sentido), talvez, quando da elaboração da monografia (apenas!). As provas objetivas não estimulam o pensamento reflexivo, apenas a memória. Se não há produção científica no meio acadêmico, seria um contra-senso a realização de Seminário para divulgá-la. Integração de conhecimentos e extensão? Ainda são utopias. O que prevalece é a fragmentação, a compartimentalização do saber, dissociado dos problemas regionais e nacionais. Até aqui não houve prestação de serviços à comunidade como uma meta extensionista. Oxalá, esse dia chegue e com a maior brevidade possível.

Após esses breves comentários sobre alguns aspectos que envolvem o ensino jurídico local, torna-se fácil entender porque a OAB não pode prescindir do Exame de (ingresso à) Ordem. É uma forma de pressionar as próprias Instituições de Ensino, a perseguirem a otimização do processo ensino-aprendizagem dos cursos de Direito e, consequentemente, aumentarem o número de bacharéis melhor qualificados e aptos a prestarem serviços relevantes, eficazes e éticos à sociedade, no exercício da advocacia. Mas que seja essa sua atribuição, pelo menos até o MEC-Sesu se estruturar na assunção de tal responsabilidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < www.planalto.gov.br> Acesso em: 13 jul.09.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 20 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, Antonio Carlos. Metodologia do Ensino Superior. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

ZAGURY, Tânia. O professor refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. Rio de Janeiro: Record: 2006.

Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 26/07 e 02/08/2009.

O BANCO MUNDIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Refletir a educação na América Latina requer, também, aprofundamento no papel que assumem os organismos internacionais, especialmente o do Banco Mundial.

Nascido no pós-guerra, o Banco Mundial, também conhecido como BIRD, é um organismo internacional de financiamento, ligado a ONU, que conta com 176 países mutuários dentre eles o Brasil. Porém, são cinco os países que definem suas políticas: EUA (que mantêm a presidência e tem poder de veto), Japão, Alemanha, França e Reino Unido. O BM tem se constituído em auxiliar da política externa americana. Cada dólar que o BM emprestar significa três dólares de retorno. Mas financiamento não é sua função principal. O BM transformou-se no organismo internacional de maior visibilidade no panorama educativo internacional, passando a assumir o espaço que tradicionalmente era da Unesco. “O BM tem-se transformado na principal agência de assessoria técnica para os países em desenvolvimento e de atividade de apoio, numa referência importante para a pesquisa em educação” segundo Torres (1996) apud Moreira (1999).

O BM se envolve em questões educacionais porque a existência de um bilhão de pobres no mundo fê-lo buscar na educação a sustentação para sua política e contenção da pobreza, ‘um ajuste com caridade’ segundo Fonseca apud Shiroma et al.(2005), buscando uma maior harmonia social, diminuindo as possibilidades de emergência de conflitos sociais. Daí o objetivo do BM é qualificar a pobreza, para se inserir no que hoje ficou conhecido como segundo emprego, ou mesmo nos setores informais da economia que vem crescendo de forma significativa.

Entre os dias 5 e 9 de março de 1990, realizou-se em Jomtien (Tailândia), a Conferência Mundial de Educação para Todos, financiada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco Mundial. Também participaram governos, agências internacionais, organismos não-governamentais, associações profissionais e personalidades destacadas do mundo inteiro. Os 155 governos que subscreveram a declaração ali aprovada comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos.

Os nove países com maiores taxas de analfabetismo do mundo (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão), conhecidos como E9, foram levados a desencadear ações para a consolidação dos princípios acordados na Declaração de Jomtien. Esses países comprometeram-se a oferecer às suas populações ‘sem discriminação e com ética e equidade uma educação básica de qualidade’.

O termo equidade aparece nos documentos das agências internacionais promotoras e participantes da referida Conferência como o grande princípio orientador das políticas educacionais propostas para os países mais populosos do mundo. Dentre essas agências destaca-se o papel da CEPAL, como um Centro de Elaboração Política na Realidade Latino-Americana que vem perdendo seu poder de agência ideológica, para transformar-se em órgão técnico de segunda importância.

O sentido da Educação para Todos e seu recorte educação básica para todos difundiu a ideia de que a educação deveria realizar as necessidades básicas de aprendizagem (NEBA) de crianças, jovens e adultos. Essas necessidades compreendem conhecimentos teóricos e práticos, capacidades, valores e atitudes indispensáveis ao sujeito para enfrentar suas necessidades básicas em sete situações: sobrevivência, desenvolvimento pleno de suas capacidades, uma vida e um trabalho dignos, participação plena no desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida, a tomada de decisões e a possibilidade de continuar aprendendo. Essas situações são comuns a habitantes de diversos lugares do globo e para satisfazê-las deveriam variar segundo o país, cultura, grupos sociais e também segundo as perspectivas de sua resolução ao longo do tempo.

A Carta de Jomtien não atribuiu a educação básica apenas à educação escolar, como se pode ver no parágrafo anterior, visto que para a satisfação das NEBAs - Necessidades Básicas de Aprendizagem, deveriam concorrer outras instâncias educativas como a família, a comunidade e os meios de comunicação. O polêmico conceito de educação básica, sobre o qual divergem os quatro patrocinadores do evento, prioriza a universalização da educação primária que, no caso brasileiro, correspondeu ao ensino fundamental.

Desde 1980 até hoje a postura do Banco Mundial em relação ao tema educativo tem sofrido mudanças fundamentais: ampliou-se o investimento na área de educação, passou-se a dar atenção específica à educação das meninas, sobretudo pelo resultado de pesquisas que evidenciam relações positivas entre a educação da mãe-mulher e o bem-estar dos filhos.

Dessa forma, para o BM, a reforma educativa centrada na reforma do sistema escolar, é urgente e imprescindível para o desenvolvimento econômico, político e social dos países latino-americanos.

REFERÊNCIAS

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Currículo: Políticas e práticas. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999.

SHIROMA, E. O.; CAMPOS, R. F.; GARCIA, R. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 427-446, jul. /dez. 2005.


Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 02/08/2009.